Instituída em dezembro de 1994, a Lei de Franquia nacional surgiu com o desenvolvimento do mercado de franchising no Brasil. Baseada no modelo estadunidense, a Lei nº 8955 visa regular toda a relação entre franqueador e franqueado e deve ser observada com atenção por ambas as partes.
No geral, o texto dispõe sobre a natureza da relação entre franqueador e franqueado com todas as suas obrigações, o contrato de franquia e a Circular de Oferta da Franquia (COF).
Além disso, a Lei nº 8955 contém a definição de franchising, que deve ser a base para o desenvolvimento de qualquer rede ou negócio cuja proposta seja atuar neste mercado. Assim, o artigo segundo define que:
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“Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício.”
De acordo com Fabricio Sicchierolli Posocco, advogado do escritório Posocco & Associados Advogados e Consultores, é comum que as disposições genéricas do Código Civil também sejam aplicadas ao relacionamento entre franqueador e franqueado. “Os princípios da boa-fé e da justiça social devem servir como parâmetros”, destaca o profissional.
Em linhas gerais, define-se que cabe ao franqueador transmitir ao franqueado, além do direito de uso da marca, todo o know how necessário para a operação do negócio. Já o franqueador tem o dever de cumprir com os padrões estabelecidos pela rede, bem como zelar pela boa imagem da empresa.
“Do ponto de vista jurídico, a relação entre franqueador e franqueado é de cunho estritamente privado, envolvendo parceria empresarial, de natureza contratual. De outro lado, temos que os sistemas de franchising são, acima de tudo, redes de relacionamento”, afirma Daniel Alcântara Nastri Cerveira, advogado da Cerveira Advogados Associados.
Para o advogado, a formação de uma parceria de médio a longo prazo na qual o investidor tem deveres e engajamento com a marca exige que a comunicação entre as duas partes seja clara e franca.
Assim, é importante que o interessado em investir em franquia tenha total clareza do processo desde o início das negociações, com amplo acesso a informações e contato direto com a equipe responsável da franqueadora.
Circular de Oferta da Franquia
A Circular de Oferta da Franquia é um documento previsto pela Lei nº 8955, que aponta todas as informações que devem obrigatoriamente ser passadas aos candidatos pela franqueadora.
De acordo com a lei, a COF deve ser elaborada de forma clara, em linguagem acessível para que seja entregue por escrito ao candidato interessado na franquia.
Entre as informações obrigatórias deste documento devem estar:
- histórico resumido do franqueador;
- descrição detalhada da franquia, incluindo as atividades que competem ao franqueado;
- perfil ideal do franqueado;
- valores de taxa de franquia, royalties, fundo de propaganda e outros investimentos exigidos;
- prazo de vigência do contrato;
- obrigações do franqueado em relação ao negócio;
- suporte e treinamentos oferecidos pela franqueadora;
- território de atuação;
- relação de todos os franqueados da rede, com seus respectivos contatos.
“Informações financeiras da empresa, como balanços e faturamento, bem como pendências jurídicas, também devem estar explícitas”, acrescenta Posocco.
É importante destacar ainda que a lei define que a COF deve ser entregue ao franqueado com um prazo mínimo de dez dias antes da assinatura do contrato. O prazo vale também para o pagamento de qualquer taxa à franqueadora, o que só deve acontecer após a análise da COF.
O prazo para análise da COF antes de qualquer ação definitiva é fundamental para que o candidato feche negócio com consciência, evitando problemas no futuro. Empresas que exigem a assinatura de contratos ou pagamentos antes desse período não estão em concordância com a lei.
Contrato de franquia
A Lei de Franquia também dispõe sobre o contrato que firma o negócio entre as partes. Conforme os termos da lei, o documento deve ser escrito e assinado sempre na presença de duas testemunhas.
“Será no contrato de franquia que estão previstas as regras sobre supervisão das unidades, política de preços, normas sobre transferências de unidades, sucessão e penalidades em caso de infração ao contrato”, esclarece Cerveira.
O documento deve ser analisado com cuidado pelo franqueado, que deve conferir cada uma das cláusulas com atenção, preferencialmente contando com o suporte de um advogado de confiança.
Deve-se observar os padrões de marca a serem cumpridos, o território de atuação e todos os valores referentes a investimento na rede e taxas a serem pagas para a franqueadora. Tudo isso deve ser estudado para que o franqueado conheça a fundo não só suas obrigações, mas também seus direitos no novo negócio.
Para proteção de ambas as partes, Posocco sugere a elaboração de um pré-contrato. Contendo elementos essenciais, o pré-contrato se apresenta como um contrato provisório a ser assinado antes do documento definitivo para que franqueador e franqueado se preparem juridicamente.
“Com o pré-contrato é possível concretizar o negócio com a certeza de que as regras do jogo estão claras e acordadas. Após a assinatura, o novo franqueado deverá abrir uma empresa, que será a titular do contrato de franquia definitivo”, explica o advogado.
O prazo de duração do contrato varia conforme cada marca e a renovação também acontece nos termos estabelecidos pela franqueadora. Esses pontos devem ser observados com atenção pelo franqueado, uma vez que há regras e obrigações a serem cumpridas quanto ao fim do contrato.
“Caso uma das partes não queira dar prosseguimento à relação contratual de franquia antes do prazo do término do contrato, sem justo motivo, deverá indenizar a outra parte pelo rompimento da expectativa da manutenção do contrato e, eventualmente, por gastos e investimentos comprovados”, ressalta Posocco.
Além disso, o especialista aponta que o franqueado pode ter ainda outras exigências a seguir na relação pós-contratual. Um exemplo é manter sigilo das informações compartilhadas durante a vigência do contrato. A não concorrência, conhecida como virada de bandeira, também pode ser vetada, o que significa que o empreendedor não poderá começar um novo negócio com as mesmas características da franquia da qual se desligou.
Responsabilidades da franqueadora, de acordo com a Lei de Franquia
A advogada Tatiana Pedote, do escritório Baubeta Almeida Advogados, explica que a norma busca, em sua essência, que haja transparência na negociação entre franqueadora e aqueles que desejam se tornar franqueados. Entretanto, é importante que os empreendedores saibam que a Lei não regula, propriamente, o contrato de franquias.
“A regulamentação define o que é franquia empresarial e, como responsabilidade da franqueadora, determina a obrigação de oferecer informações mínimas de acordo com o artigo 3º, impondo sanções pela sua violação, em um prazo de 10 dias antes de assinar o pré-contrato, contrato de franquia ou receber qualquer valor”, explica Pedote.
O Artigo 3º, destacado por Tatiana, descreve as informações que os candidatos a franqueados têm o direito de receber da franqueadora – dentre as informações, está a Circular de Oferta de Franquia (COF). A advogada explica que não existe somente a Lei de Franquia para regulamentar o relacionamento entre franqueadora, candidatos e franqueados.
É de conhecimento de empreendedores que estar à frente de um modelo de franquia pressupõe que o negócio já alcançou determinado sucesso e maturidade de mercado, após ser testado e os modelos de franquia serem organizados para reprodução pelos franqueados. Para Tatiana, “sem qualquer dúvida, mesmo que a Lei de Franquia não coloque essa responsabilidade nos ombros da franqueadora, de acordo com o nosso sistema legal e com o entendimento dos tribunais, a franqueadora é integralmente responsável pelas expectativas que cria para seus candidatos e franqueados, assim como pelas informações que apresenta na Circular de Oferta de Franquia”.
Direitos e deveres dos franqueados
Os deveres dos franqueados começam antes mesmo do início da operação na rede de franquias, ainda no momento de pesquisa do modelo de franquia que gostaria de estar à frente. O franchising constitui um universo de amplas opções, o que possibilita que os interessados pesquisem e avaliem os diferentes mercados de atuação, ramos de atividades, modalidades de franquia e compatibilidade com orçamento disponível para investimento e tempo em que os interessados estão dispostos a dedicar à franquia.
“Após selecionar as redes de interesse, é dever do candidato conversar com o franqueador, analisar a Circular de Oferta de Franquia, principalmente as minutas dos instrumentos contratuais que a integram, o que exigirá o auxílio de um advogado especializado em franquia. Além disso, é imprescindível que o interessado converse com os franqueados e ex-franqueados e, antes de decidir, reflita sobre a afinidade com a área de atuação da rede, atribuições assumidas e diferentes nuances do dia a dia de uma operação como a do negócio”, aconselha Tatiana Pedote.
A advogada acrescenta ainda: “é importante entender as expectativas depositadas, pois, uma vez fechado o negócio, sua operação, necessariamente, deve seguir os padrões da franqueadora e, também, as normas da legislação aplicáveis, a exemplo das normas sanitárias em caso de franquias da área de alimentação, entre outras”.
Tatiana ainda aconselha os futuros franqueados a terem consciência que, embora investir em um modelo de franquia seja mais seguro comparado a um negócio novo e autônomo, toda franquia envolve risco: não há garantia de faturamento ou lucratividade, além dos resultados sempre dependerem da dedicação e eficiência na administração do franqueado.
Por isso, antes da escolha de um modelo de negócio, é imprescindível que o empreendedor se identifique com o negócio e tenha prazer em desenvolver as atividades de sua responsabilidade.
Como direito, Tatiana explica que todo franqueado deve receber da franqueadora exatamente o que foi descrito na COF, no pré-contrato e contrato de franquia.
“É também direito do franqueado usar as marcas e know how, que façam parte do negócio, além de explorar a franquia pelo prazo determinado no contrato de franquia, receber manuais e instruções da franqueadora. Sendo a rede franqueadora séria e cumpridora das obrigações legais, não haverá espaços para arrependimento do franqueado”, pontua a advogada.
Informações que devem ser passadas aos candidatos
A Lei de Franquia exige que as franqueadoras comuniquem aos candidatos o máximo de informações sobre o modelo de negócio. A COF, de acordo com Tatiana, é um dos documentos mais importantes, imprescindível para o poder de decisão de investir em uma franquia, ou não.
Além das informações que devem estar obrigatoriamente contidas na COF, a franqueadora ainda deve alinhar as expectativas de seus candidatos, compartilhando dificuldades operacionais existentes, pontos delicados no cotidiano da franquia, entre outras informações importantes para que o candidato tome uma decisão consciente.
“É importante compartilhar tanto os pontos positivos como os negativos da operação e da franquia, pois um processo de seleção transparente e claro é determinante para uma parceria saudável e duradoura. Muitos dos problemas e dificuldades de relacionamento entre franqueadora e franqueado são um reflexo claro de frustração de expectativas e, não por outra razão, muitas redes optam por oferecer um dia de imersão na operação de uma unidade franqueada (test drive ou disclosure day)”, conta Tatiana.
Taxas e outros pagamentos obrigatórios
Pedote explica que existem algumas diferenciações nos nomes dados às taxas de franquias, entretanto, todos os pagamentos exigidos pela franqueadora devem constar na COF.
As taxas mais frequentes no franchising brasileiro são:
- Taxa Inicial de Franquia (Taxa de Adesão ou Taxa de Ingresso): importância paga pelo franqueado para entrar na rede de franquia. Normalmente, o pagamento é previsto para a data da celebração do pré-contrato ou do contrato de franquia. Com valores variáveis de franquia para franquia, deve ser descrita na COF com as condições de pagamento;
- Royalties ou Taxa Mensal de Franquia: remuneração prevista como contraprestação licença de uso de marca. Pode ser um valor fixo, escalonado, mas, é mais comum que corresponda a um percentual do faturamento bruto da unidade franqueada ou um percentual sobre as compras pelo franqueado;
- Taxa de Propaganda (Taxa de Publicidade ou Taxa de marketing): muitas redes cobram essas taxas para realizar marketing cooperado, somando as contribuições de todos os franqueados. Costuma ser estipulada como um percentual sobre o faturamento bruto da unidade franqueada ou de suas compras mas, no mercado, há muitas outras formas de cobrar essa taxa com o objetivo de formar um fundo, cujos recursos são destinados para ações de marketing não individuais. Normalmente, o gerenciamento e destino dos recursos é determinado pela franqueadora.
Além destas, o candidato deve ser informado sobre os custos fixos para abertura e manutenção de uma unidade franqueada, como aluguel, licença e manutenção de softwares, seguros, reembolsos de despesas compartilhadas, contas de água, luz, internet e telefone, pagamento de equipe de funcionários, entre outros gastos.
O que fazer se a franqueadora não cumprir as especificações da Lei de Franquia?
Tatiana Pedote esclarece que, como a Lei de Franquia busca estabelecer transparência nas negociações, não são determinadas regras da relação de franquia, ficando a critério de cada franqueadora estabelecê-las no pré-contrato e contrato de franquia. O documento traz direitos e obrigações de cada uma das partes, respeitando as demais normas do ordenamento jurídico e posicionamentos consolidados nos tribunais.
“De forma clara e expressa a Lei determina em seu artigo 4º que a Circular de Oferta de Franquia deve ser entregue pela franqueadora ao candidato, no mínimo, 10 dias antes da assinatura do contrato ou pré-contrato de franquia e do pagamento de qualquer tipo de taxa pelo candidato ao franqueador ou a empresa ou pessoa ligada a este. Contudo, para fins e efeitos de uma relação de franquia, não é possível avaliar se a franqueadora está ou não ‘cumprindo as especificações da lei’, apenas sob o ponto de vista da letra da Lei; ou seja, não basta verificar se observou o prazo de 10 dias ou se as informações constantes da COF foram completas e suficientemente claras”, exemplifica a advogada.
Assim, Tatiana explica que existem diversas nuances e posicionamentos sedimentados nos tribunais que devem ser consideradas, não apenas sob o ponto de vista da franqueadora mas, também, do franqueado. Para a advogada, é comum surgirem demandas que evidenciam que franqueadora e franqueados desconhecem papéis e obrigações, resultando em insatisfações ou descumprimentos contratuais.
Por isso, é necessário que ambas as partes busquem assessoria e suporte de advogados especializados em franquia, que os expliquem sobre as atribuições e responsabilidades, principalmente para que questões judiciais sejam evitadas ou, se ocorrerem, resolvidas de forma rápida.
“Obviamente, há casos em que ações judiciais são absolutamente necessárias, mas é possível perceber um aumento de ações judiciais envolvendo franquia que são temerárias. Como exemplo, pode-se citar o caso de franqueados que depois de vários anos de relacionamento contratual, se endividam por má gestão do negócio e ingressam em juízo para discutir anulabilidade do contrato de franquia com base em uma ou alguma informação deficiente na COF e/ou para afirmar que a franqueadora (repise-se, após anos de contrato) nunca cumpriu seu papel”, comenta Tatiana.
Para evitar questões judiciais, a especialista aconselha que os candidatos façam escolhas conscientes, busquem suporte com advogados e tirem todas as dúvidas antes mesmo da assinatura do pré-contrato de franquia.
Clique aqui para ler a Lei nº 8955 na íntegra.
* Com contribuição de Luísa Campos.